terça-feira, 4 de outubro de 2011

Paulo Blikstein

Coisas que eu queria saber aos 21


Professor da Universidade Stanford, Paulo Blikstein fala sobre sua formação


http://tltl.stanford.edu/people


27 de setembro de 2011 | 0h 00
Estadão.edu
"Não foi surpresa chegar aos 17 anos sem saber o que fazer: Cinema, Economia, Engenharia ou nenhuma das anteriores? Até os 14, estudei numa escola fundada pela filha do educador Paulo Freire. Não tinha provas, aprendi a gostar de aprender. Na época tracei meu primeiro e modestíssimo plano de carreira: ser cientista e descobrir a fórmula da imortalidade.
 - Divulgação
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Fiz o ensino médio no Colégio Equipe. Sempre gostei de ciências e de eletrônica, mas adorava fazer vídeos e me interessei também por economia.
A dez minutos do prazo de entrega da inscrição na Fuvest, minha ficha estava em branco. Lembrei do que meu avô havia me dito: ‘Faça sempre o mais difícil para você.’ Escrevi Engenharia e entreguei.
Do mundo da educação alternativa, caí na Politécnica da USP. É a melhor escola do País, mas o sistema de ensino era cruel e conservador. Quando vi que ia me formar, decidi realizar um dos sonhos adiados. Fiz Cinema: passava o dia entre engenheiros e a noite entre cineastas e atores. Formado, abri uma empresa de produtos de educação a distância, escrevi uma sitcom e dois documentários científicos, dei aulas na FGV e fui apresentador de TV.
Ainda queria mudar o ensino de Engenharia, achava que afastava gente criativa. Fiz mestrado na Poli e numa visita ao Massachusetts Institute of Technology, em Boston, descobri um grupo que pesquisava como reformular não só o ensino da área, mas todo o sistema educacional. Após outro mestrado no MIT, no Media Lab, passei cinco anos na Northwestern University, em Chicago, num doutorado em Educação.
Hoje, em Stanford, meu laboratório é um retrato dessa história. Trabalho na escola de educação, mas metade dos meus alunos são engenheiros. Livros do Piaget estão na estante de manuais de robótica; transístores e obras de Paulo Freire ficam na mesma bancada.
Aos 21, queria ter entendido que não ter sonhos é tão errado quanto não deixá-los evoluir. Como o vinho, há um tempo certo para eles. Começam malformados, egocêntricos, mas vão se tornando possibilidades, planos de ação e, enfim, realidade. Aos 10 anos, meu bisavô morreu, e eu sonhava em descobrir a fórmula da imortalidade. Hoje pesquiso o aprendizado, esse estranho hábito de passar a cultura de geração para geração – a forma que a humanidade encontrou de ser imortal.”

Paulo Blikstein:"O Brasil precisa de consenso sobre o que quer na educação"


15-Ago-2011

Brasileiro premiado nos EUA diz que País tem chance rara de reinventar seu modelo educacional

Mariana Mandelli - O Estado de S.Paulo
ENTREVISTA
Paulo Blikstein, engenheiro e professor da Universidade de Stanford
Aos 39 anos, o brasileiro Paulo Blikstein tem muitas conquistas no currículo. Formado pela Universidade de São Paulo (USP), ele é professor da Universidade de Stanford e acaba de ganhar o Early Career Award, da National Science Foundation (NSF).
O prêmio é um dos mais importantes dos Estados Unidos e é concedido a jovens docentes. Blikstein receberá US$ 600 mil para investir em seu projeto, que consiste numa forma inovadora de ensinar conteúdos avançados de ciências nos ensinos fundamental e médio. "Esse prêmio significa o reconhecimento, mesmo por uma instituição relativamente conservadora, de que as ideias que defendo são possíveis", disse. Ele vai participar do encontro internacional de educação Sala Mundo Curitiba 2011, nos dias 17 e 18. Leia entrevista que ele concedeu ao Estado.
No que consiste a pesquisa?
Ciência de ponta não é feita mais só com tubos de ensaio, é feita com tubos de ensaio conectados a computadores, que rodam modelos matemáticos. O que eu fiz foi trazer isso para a escola, trazer ciência de ponta para o aluno. Chega de ciência da década de 30. E o meu projeto é fazer o equipamento custar o mesmo que um livro didático, e ser de código totalmente aberto e público. Teremos quatro universidades americanas implementando o protótipo em escolas secundárias a partir de 2012, além de escolas na Tailândia e na Rússia.
Como a ciência pode ajudar a despertar o interesse do aluno pela escola?
Ciência é um instrumento de cidadania. Os problemas do mundo moderno são muito mais complexos que antes - aquecimento global, neurociência, etc. Precisamos entender tudo isso para votar, participar do debate público. Mas para criarmos mais cientistas e engenheiros, temos de ensinar de um jeito motivador, fazer o aluno gostar de ciência e engenharia. Boa parte do meu trabalho é criar formas de ensinar ciência e matemática com o que chamamos de "motivação intrínseca". Você já ouviu falar de alguém que virou ator mas detestava as aulas de teatro?
Como podemos aplicar isso no Brasil?
Muita gente acha que no Brasil só podemos fazer o básico porque não há dinheiro para a educação, muito menos para tecnologia. Não é verdade. Há dez anos me disseram que não dava para fazer robótica educacional no Brasil porque os kits custavam US$ 300. Eu voltei para o Massachusetts Institute of Technology (MIT) e, com meu colega Arnan Sipitakiat, fiz uma placa de robótica de US$ 20, a GoGo Board.
Como você vê a educação no Brasil hoje?
O Brasil está avançando, mas precisamos de um consenso nacional sobre o que queremos. Às vezes queremos imitar Cingapura, outras vezes a Holanda, sendo que esses países têm sistemas completamente diferentes. Ficamos correndo atrás de rankings internacionais do mesmo jeito que corremos atrás do ranking da Fifa, sem saber o que eles medem. Hoje temos uma chance rara - com todo o crescimento econômico da última década, podemos reinventar a educação brasileira. Poucos países têm essa chance. Mas precisamos parar e pensar o que queremos, a escola da Coreia do Sul, baseada na decoreba, ou a da Finlândia, baseada na liberdade do aluno e do professor. Os dois são líderes. Precisamos fazer escolhas.
Quais são os nossos principais problemas na educação básica?
Uma parte da educação pode ser padronizada, uma parte não pode, depende do nível de renda, da família, da região, da cultura. Para isso, precisamos de professores treinados para fazer as duas partes - a parte mais técnica, de ensinar o currículo, e a parte mais sofisticada, de adaptar o currículo à realidade local. Professor autômato não funciona.
Você pretende trazer seus projetos para o Brasil?
Adoraria, mas quando estiverem no ponto certo. Vou implementá-los na Rússia, na Tailândia, por que não no Brasil? Só precisamos de bons parceiros. Meu sonho é ajudar a educação brasileira. Continuo desenvolvendo tecnologia de baixo custo, justamente por isso.
QUEM É
É mestre pelo MIT Media Lab e doutor pela Northwestern University. Hoje, dá aula nas áreas de educação e de engenharia da Universidade de Stanford, onde dirige um dos principais laboratórios de tecnologia educacional dos EUA.

A Escola dos Homens Tristes
Paulo Blikstein
http://www.blikstein.com/paulo/documents/other/other_escoladoshomenstristes.html


DISCURSO DE FORMATURA
http://www.blikstein.com/paulo/documents/other/other_discurso_de_formatura.html

Onde você vai estar quando o relógio bater meia noite e o próximo milênio chegar?

Na escola, quando estudamos história, aprendemos que primeiro houve a revolucionária civilização grega, depois o invencível império romano, em seguida o tempo de glória dos senhores feudais, então o de Portugal, da Espanha, da Inglaterra, dos Estados Unidos, do Japão... Enfim, grandes impérios e potências que alcançaram a glória e invariavelmente decaíram. As razões disso são estudadas pelos historiadores há décadas, mas entre elas duas são certas: a acomodação e a incapacidade de diagnosticar corretamente os problemas.
E o que isso tudo tem com a nossa Poli? Consideremos um grande império feudal. Tem o seu rei, seus nobres, seus pequenos feudos, sua pequena política, suas guerras, lavoura, servos. É um país poderoso, seus nobres vivem bem e seu rei é feliz.
Um belo dia o rei e seus assessores, analisando os números da colheita, vêem que seus lucros estão caindo. O rei, furioso, pergunta aos seus assessores: de quem é a culpa?! Eles logo respondem: “Do povo, Majestade. Nosso povo é que trabalha pouco”. “Aumentem as taxas e as horas de trabalho”, diz o rei. Entretanto, como não havia comunicação entre o rei a população, ele desconhecia que seu povo trabalhava sem instrumentos adequados, sem infra-estrutura e sem motivação. Era até um milagre que, com condições tão ruins de trabalho, o império não tivesse ido à falência antes.
Os nobres, que deveriam administrar mais diretamente as terras, davam diagnósticos errados e, mesmo sem perceber, se eximiam de toda culpa. “A culpa não é nossa: é do nosso povo vagabundo” - diziam. “Mudem a jornada de trabalho!”, “Sejam mais severos nos castigos!” - exclamavam aos quatro cantos. Fizeram o rei aprovar inúmeras leis (sempre as mais óbvias) que iriam criar “um novo reino”, “um reino moderno”, “o reino do próximo século”. Mas, ano após ano a produção foi caindo, o povo foi indo embora para outros países, até que aquele grande império, outrora imbatível, se transformou em uma terra decadente, pobre e sobretudo triste.
Os erros dos reis e de seus nobres: se acomodaram com sua pomposa grandiosidade e errarem no diagnóstico, porque não tiveram coragem de fazer autocrítica e contrariar interesses de seus pares. Na verdade, eles deveriam é investir tempo e recursos em melhorar a infra-estrutura e seus próprios métodos arcaicos de produção. O povo, como sempre, era o menos culpado.
É claro que qualquer semelhança com a nossa Poli não terá sido mera coincidência. E vejamos: há quase uma década se tenta fazer a tão falada “modernização curricular” e parece que ela sempre parte de um pressuposto: o problema está no “povo”, que no caso são os alunos da Poli. Por uma questão de justiça, devemos dizer que muitos professores bem intencionados participaram das várias comissões de “modernização”. Entretanto, sempre a mesma proposta aparece: a Poli deve voltar a ser como há quarenta anos: período integral, curso seriado, opção de curso após o vestibular etc. Exigem até a criação de mais mecanismos burocráticos para complicar a vida do aluno, para que ele afinal “estude mais”. Segundo muitas pessoas na Poli, essas propostas são precondição para melhorar o ensino na Escola.
O erro: diagnóstico equivocado. O problema da escola não é a falta de dispositivos burocráticos para obrigar os alunos a estudarem. Temos isso de sobra. Dizer que os alunos da Poli não estudam é dizer que a elite intelectual do 2º grau do Brasil é composta por vagabundos. Ora, se o aluno da Poli não é estudioso, quem é? Os melhores alunos do país não estão aqui. Vamos ter que importar alunos bons de outros países? Se a Poli tem uma grande virtude, é a de reunir um excelente corpo discente. Nossa escola tem à disposição o melhor material humano possível para Engenharia.
O que acontece, e o que os nossos nobres não enxergam, é que o aluno entra na Poli motivado, sério, disposto a estudar, formar-se rapidamente e poder exercer sua profissão. Entretanto, desde o primeiro ano ele depara com um curso árido, estranho e desconexo, muitos professores sem experiência ou preocupação didática, índices de reprovação pornográficos (que em qualquer escola do mundo causariam pelo menos uma interpelação ao professor), disciplinas que sequer usam a mesma notação, pouca ou nenhuma preocupação com a adaptação do aluno à Poli e, principalmente, nada que lembre a profissão do Engenheiro. A justificativa oficial: não querem ser paternalistas. Mas entre não ser paternalista e jogar o aluno à sua própria sorte há uma grande diferença. E aí começa um círculo vicioso: o aluno não consegue acompanhar uma ou outra matéria, não tem orientação para estudar, desorganiza o seu currículo, perde a motivação e muitas vezes desiste. E estamos perdendo excelentes alunos para a FEA, ECA, GV e Unicamp. Não porque eles não possam ser bons engenheiros, mas porque o Poli, verdade seja dita, é um ambiente muito hostil.
É aceitável que uma escola de Engenharia seja um pouco hostil, com tantos cálculos e físicas. Ninguém propõe que sejamos um clube universitário. Mas estamos passando (e muito) dos limites. Cultivamos aqui uma verdadeira cultura de sadismo: quanto mais sofrer, mais se aprende e mais você estará preparado para a vida. Por conta disso, a Poli se tornou um ambiente insalubre, triste, onde as pessoas têm muito pouco prazer no que fazem. E como formar um engenheiro que sequer gosta de seu curso?
Os proponentes das “mudanças” talvez dirão que suas propostas são apenas um primeiro passo: depois virá a revisão real dos currículos, os novos métodos de ensino, a fiscalização dos maus docentes. É até possível que isso aconteça, mas tudo está sendo feito na ordem errada. Mudar o horário, criar novos cargos e mudar a opção de curso são mudanças vazias: em si, não melhoram nada. Na verdade, o horário da Escola não tem nada de errado e existem cargos (e liberdade para criá-los) de sobra. A opção de curso tem funcionado muito bem até agora e não é ela a causa de nossos problemas.
O que deveria ser feito então? Ora, exatamente aquilo que a Comissão de Atualização Curricular não fez: ter idéias novas, criativas. Quase todas foram como uma “volta ao passado”. O que há de novo, de surpreendente, de intrinsecamente importante nas propostas? Quase nada. E essa é a nossa maior decepção.
O documento apresentado pela CAC, como está, não resolve nossos problemas mais básicos. Não fala uma palavra sobre uma nova filosofia, um novo princípio ético para a Poli. “Isso está em estudo”, dirão eles. Mas isso tem que vir primeiro, e não na forma de belos textos, mas de ação! Com medo de ousar, a comissão reduziu suas propostas ao mais básico e genérico. Esqueceu também de dizer como viabilizar as suas propostas. Como acomodar 4000 alunos em período integral? Temos bibliotecas? Temos restaurante? Temos salas de aula? Não se sabe. Como será o “período integral”? Vamos prender o aluno na escola o dia todo? Em que horário ele vai estudar? E aprender inglês? E fazer um curso extracurricular na sua área? E fazer estágio, que é cada dia mais importante? Em que, concretamente, o período integral vai melhorar a qualidade global do engenheiro formado? Não se sabe. “Deixemos isso para depois”, eles vão dizer. Afinal, o importante agora é aprovar os princípios gerais. Errado: como aprovar uma fórmula que, de cara, já traz dezenas de contradições? Sem um estudo detalhado das conseqüências de todas essas propostas (como em qualquer projeto de Engenharia), será um irresponsável salto no escuro.
A posição de melhor escola de Engenharia do país não é um título vitalício. Se a Poli não voltar a se preocupar com os seus alunos, oferecendo um curso mais interessante e menos massacrante, é inevitável que as coisas comecem a decair. Vamos encarar a realidade: a Engenharia há tempos não é a carreira mais concorrida e o anti-marketing da Poli como fábrica de loucos está se espalhando rapidamente.
Sempre fomos vanguarda, e esse sempre foi o melhor marketing para a nossa escola. Agora, as coisas se inverteram: a Poli virou um lugar velho, engessado, acomodado nas glórias do passado. Se não acordarmos, teremos o mesmo fim de todos os impérios do passado: uma triste decadência.
Mas acordar não significa fazer mudanças de gabinete. Significa contrariar interesses de grupos poderosos, romper velhos mitos e ter novas idéias de como se deve ensinar engenharia. A aluno da Poli não pode permitir que ele seja, de novo, o primeiro e único prejudicado pelas “mudanças”. Com seriedade (como bons engenheirandos) devemos fazer nossas críticas e apresentar proposta concretas para melhorar nossa Escola. Mostremos que não adianta combater efeitos sem eliminar causas.
Não se trata de formar uma comissão para discutir o assunto, nem de criar rivalidade: estamos falando de autocrítica real e ação concreta, além de um profundo exame de consciência em todos nós. Se conseguirmos criar um pacto ético entre alunos e professores – o que é, afinal, o mais importante – é possível que a Poli não seja mais somente uma boa escola de Engenharia, mas o mais competente e vibrante curso universitário do Brasil.
Paulo Blikstein
Maio de 1997


Discurso de formaturaPaulo Blikstein

Aos formandos da Escola Politécnica da USP em 1998

Excelentíssimo Sr. Governador do Estado de São Paulo, Dr. Mário Covas, representado pela Sra. Lila Covas e pelo Secretário da Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo, Prof. Dr. Flávio Fava de Moraes; Excelentíssima Sra. Pró-Reitora de Graduação da USP, Professora Doutora Ada Pellegrini Grinover, Excelentíssimo Sr. Diretor da Escola Politécnica da USP, Prof. Dr. Antonio Marcos de Aguirra Massola, Ilustríssimo Paraninfo, Prof. Dr. José Sidnei Colombo Martini, ilustríssimos membros de mesa solene, senhores professores, senhores pais, Engenheirandos, caros convidados.
Porque nós decidimos fazer engenharia? Talvez esse seja um bom momento para nos lembrarmos. O que nos fascina na profissão de engenheiro? Nada melhor do que lembrar o pai da física clássica: afinal, quantos milhões de pessoas viram a maçã cair da árvore antes que Isaac Newton perguntasse “Por quê?”. Talvez o mais fascinante da profissão do engenheiro seja precisamente isso: perguntar os “porquês”, ir além do senso comum, fazer o que nunca foi feito, adquirir as ferramentas para reinventar o mundo.
Mas por que falar em mudanças, em novas invenções numa época em que tudo já parece estar pronto e inventado? Ora, basta citar a famosa frase do engenheiro-chefe dos correios da Inglaterra, no final do século passado, ao escrever uma carta ao rei desencorajando os investimentos em telefonia, com a seguinte justificativa:
“Os americanos precisam de telefones, os ingleses não. Nós temos um grande número de mensageiros em nosso país.”
Parece que a história mostrou que o Sr. William estava errado. Mas, mesmo hoje em dia, será que não há muitas pessoas que pensam da mesma forma? E se nós, engenheiros, não lutarmos por desenvolver tecnologia no Brasil, quem o fará? E como disseram nossos pais quando entramos na Poli, não somos nós que vamos construir o Brasil do futuro?
Mas… será que o engenheiro é mesmo um construtor? Vivemos tempos de mudanças vertiginosas, globalização, Internet, tecnologia, mas também de desemprego tecnológico, solidão via Internet e incerteza sem fronteiras. O engenheiro de hoje tem que ser diferente: antes de ser um construtor, deve ser um desconstrutor.
Não estranhem. Nossa grande tarefa é exatamente essa: desconstruir o mundo. Nossa função mais nobre não é apenas juntar tijolos ou transístores para construir prédios ou computadores. Nossa grande missão é desconstuir a realidade como a conhecemos, dissecá-la, desmembrá-la, virá-la do avesso. Para que servem então os cálculos e as físicas senão para que nos treinemos a desmontar a realidade, a não aceitá-la como nos apresentam, a lembrar sempre que não há verdade absoluta, a acreditar que há sempre uma forma melhor, ou simplemente diferente, de entender e de fazer as coisas?
Devemos desconstruir esse país. Comecemos por desmontar a sua injusta distribuição de renda, que coloca milhões de brasileiros abaixo da linha da miséria. Desconstruamos então o nosso arcaico sistema educacional, que considera o cérebro de nossos jovens como um recipiente para ser preenchido e não como uma tocha para ser incendiada. Vamos inverter o sinal da derivada de injustiça social, igualemos a zero a fome em nossas ruas, estimulemos a nucleação e o crescimento da solidariedade, construamos as estruturas e fundações de um novo Brasil, onde a esperança não exista só no limite, mas no plano da realidade.
Depois, é claro, teremos que reconstruir o mundo. E aí não bastará colocar em prática apenas o que aprendemos nas aulas.
Sim, porque ao engenheiro do próximo milênio não bastarão as exatas. O que precisamos, cada vez mais, é do engenheiro humano. Aquele que sabe tudo de física, mas lê sociologia e se interessa por arte, que raciocina rápido, mas tem sensibilidade social, que lidera, mas tem humildade para ser liderado também. Engana-se quem imagina que o engenheiro deva ser um autômato. Pois o grande poeta Manuel Bandeira não era politécnico? As exatas devem ser as nossas ferramentas, não a nossa única forma de pensamento.
Um dos maiores compositores franceses, Guy Béart, não por coincidência um engenheiro civil formado na melhor escola de engenharia da França, disse que, para ser feliz, o homem deve ter pequenos desejos cotidianos, que ele pode realizar, e um grande projeto, que o faz sonhar.
E nós perguntamos, nesse dia que é a realização do maior sonho de todos nós: quais serão os próximos? Qual é o grande projeto de cada um de nós? Ser executivo, ter filhos, ser professor, escrever um livro, ser cineasta, dançarina, fotógrafo, flautista. Quantos querem viajar pelo mundo, quem sonha com sua própria empresa, e, afinal, quem não sonha?
O engenheiro da Poli deve ser acima de tudo um sonhador, mas um sonhador que tem as ferramentas para colocar em prática os seus grandes projetos, um sonhador que sempre desafia o razoável e o normal, desconfia do senso comum, inquieto, revolucionário, vanguarda onde quer que esteja.
Não deixemos que o cotidiano, nessa nova fase de nossas vidas, mate todos esses sonhos. Não deixemos que os nossos projetos sejam vencidos pelas inevitáveis dificuldades da vida. Não nos acostumemos com uma vida “normal”, “convencional”, “segura”. Porque viver sem sonhar, sem desejar o impossível, sem acreditar nas coisas improváveis, sem lutar pelo que realmente queremos, é viver pela metade.
A Poli, dentre seus defeitos e virtudes, é um lugar onde chegamos ao limite de nossas forças. Aqui somos testados até as últimas conseqüências, lutamos vinte e quatro horas por dia pelos valiosos créditos, fazemos o impossível para não naufragar num oceano de cálculos, físicas, vigas, fluidos, elétrons e discordâncias. Aqui não há remédio: nossas virtudes e fraquezas aparecem sem disfarce. Mas depois de tantos obstáculos surgem seres humanos de excepcional qualidade. As dificuldades são só uma forma da natureza nos preparar para os grandes desafios.
Uma frase que se aplica muito bem a essa situação é a do dramaturgo britânico Bernard Shaw, o mesmo que atribui todo o progresso do mundo aos homens insensatos. “As pessoas estão sempre culpando as circunstâncias pelo que elas são. Eu não acredito em circunstâncias. As pessoas que dão certo na vida são aquelas que, quando acordam, procuram pelas circunstâncias que desejam. Se não as encontram, eles as criam.”. E deve ser exatamente esse o espírito politécnico.
Quando emprestamos o carro de um amigo, devolvemos com o tanque cheio. Quando pedimos um favor a alguém, sempre queremos retribuir um pouco melhor. A sociedade nos deu o direito de cursar uma universidade pública. Estamos em dívida com ela. Caros colegas, sejamos bem-agradecidos: vamos devolver muito mais. Que seja essa uma preocupação constante, uma obsessão: lembremos sempre que nosso grande impulso na vida veio de tantos jovens que nunca tiveram as mesmas chances que nós.
E são eles os mais sofridos, os esquecidos, os que as estatísticas oficiais deixam de lado. São eles os que mais precisam do nosso trabalho. Estaremos construindo o Brasil do século XXI, que seja um país onde a nossa indignação se levante sempre contra as desigualdades e onde a construção da cidadania não seja sempre adiada.
Se a Escola Politécnica forma bons engenheiros, temos certeza, seus alunos tem uma grande parcela de mérito: é porque, confinados em suas salas de aula, fazendo suas provas impossíveis, passando longas noites em claro, sacrificando tudo e todos, encontramos a raça mais lutadora que existe nesse mundo, daqueles que venceram a luta mais árdua: a batalha contra si mesmo. Mas ela não foi vencida de forma solitária. Essa vitória só foi possível com a ajuda, a orientação e o inestimável apoio de nossos professores e de nossos pais
E nós que vencemos juntos essa primeira e difícil batalha, não devemos nos preocupar. Mesmo com os recentes avanços da Ciência, como a engenharia genética ou a inteligência artificial, que prometem mudar o mundo do dia para a noite, não temos o que temer. E aí eu tomo a liberdade de citar uma frase do meu tio, Prof. Moriz Blikstein, que nos deixou no último domingo, dia 24, e que não pode estar nesse ginásio contemplando o olhar emocionado e corajoso de todos esses jovens. Ele sempre dizia que vivemos uma época perigosa, na qual o valor do ser humano é cada vez mais ameaçado, na qual a ideologia dominante quer colocar os valores humanos e a ética em segundo plano, na qual se quer explicar, modelar e controlar o homem. Se as máquinas substituirão os homens, se os valores materiais substituirão os humanos e se os computadores tomarão os lugares dos engenheiros, não sabemos ainda. Mas podemos torcer para que, por mais que a Ciência avance e que os computadores insistam em imitar cada vez melhor seus criadores, continuemos inexplicavelmente encantados ao olhar um amanhecer, imodeláveis diante da pessoa que amamos, incontroláveis frente ao desafio de viver, incorrigíveis, improváveis, inalcansáveis, assim, humanos, terrivelmente humanos.
Caros amigos, formar-se na Poli é a maior emoção do mundo. Parabéns, novos engenheiros de uma nova era.

PATRONO : Paulo Blikstein


Discurso na Formatura da 115a. Turma da Escola Politécnica da USP - Paulo Blikstein (patrono)




Para o engenheiro, o mundo nunca está pronto!


Discurso da cerimônia de formatura, março de 2012
Paulo Blikstein, patrono da 115ª. turma da Escola Politécnica da USP


Em 1998 eu estava aqui fazendo o discurso de formatura da minha turma. Uma formatura que era um pouco de uma farsa porque eu ainda tinha que passar de Física 3, e para quem fez Física 3, sabe que isso vale meia formatura. Em 98 eu disse que “formar-se na Poli é a maior emoção do mundo.” E hoje, 14 anos depois, eu digo que ser convidado para ser patrono da 115ª. turma da Escola Politécnica da USP é a maior honra desse mundo. Obrigado a vocês por essa oportunidade, obrigado, formandos, comissão de formatura, pais, Prof. José Roberto Cardoso, Prof. José Roberto Castilho Piqueira. E eu queria também fazer um agradecimento, em nome dos formandos, a todos os professores presentes que abriram as subs ou que arredondaram 4.9 para 5.0. Sem vocês metade desse auditório estaria vazio.Nesses 14 anos, eu me lembro de ter tido aquele conhecido pesadelo do politécnico pelo menos 6 ou 7 vezes. Não uma, mas várias vezes, você vai acordar no meio da noite, suando frio, tendo sonhado que recebeu um telefonema da sessão de alunos, dizendo que houve um erro em uma das suas notas e vocês tem que voltar para refazer uma matéria. Então preparem-se, por que não vai ser Instituições do Direito. Vai ser Física IV, MecFlu, Cálculo Numérico.Mas hoje eu não queria falar só de pesadelos, mas de sonho. E eu queria começar falando sobre tudo que mudou de 98 a 2012. Em 98, no meu discurso, eu perguntei para a minha turma: Porque nós decidimos fazer engenharia? E eu citei aquele exemplo de Newton, de quantas pessoas viram a maçã cair da árvore até que ele perguntasse “por quê?”. E disse que o maior fascínio da engenharia talvez seja exatamente esse, poder fazer o que nunca foi feito, inventar, construir. Mas lá em 98, tudo já parecia ter sido inventado, falar em reinventar o mundo e fazer o que nunca foi feito parecia conversa ingênua de discurso de formatura. A gente tinha tudo, computadores 386, monitores de fósforo verde, internet por linha discada, pagers, celulares Startac. Em 98 eu carregava um pager no cinto, as pessoas mandavam um número de telefone e eu corria para um orelhão. Era uma revolução, antes disso a minha mãe tinha que ligar para a secretária da Metal e deixar um recado, n ormalmente perguntando se eu tinha levado um casaco. Na metade de 98 eu comprei um celular que cabia no meu bolso, outra revolução. O futuro tinha finalmente chegado. Nesse mesmo ano saiu o Windows 98 prometido como o sistema operacional mais estável da história, que não travaria nunca. O mundo parecia perfeito, pronto, inventado. Dali em diante seriam só pequenos melhoramentos. Mas em agosto de 98 uma empresa formada por dois alunos de Stanford recebeu seu primeiro investimento, um modesto cheque de 100 mil dólares. Nesse mesmo ano, uma empresa quase falida lançava o primeiro computador colorido da história, com um design completamente diferente, numa tentativa desesperada de voltar a ser relevante. Essas empresas eram o Google e a Apple.Nesse curto período de 14 anos, essas duas empresas valem mais do que o PIB de países inteiros, o Estados Unidos quebraram, assim como as inabaláveis GM e Ford, a China virou uma superpotência, em dezembro de 98 surgia o Euro, e hoje nem sabemos o que vai acontecer com ele, o Brasil é a quinta economia do mundo. Imagine um formando da minha turma de 98 que pensou – bom, é isso aí, o mundo está pronto, vou conseguir um emprego seguro e garantir um vida sem surpresas.Formandos da turma de 2012 da Poli, deixe-me dar as más notícias: para o engenheiro, o mundo nunca está pronto. Porque quem faz o mundo somos nós, os engenheiros. E enquanto houver um engenheiro vivo nesse mundo, vai haver sempre um jeito de fazê-lo melhor.Na década de 90, quando eu estava na Poli, o Brasil era muito diferente. Parecia uma crise sem fim, o um presidente havia morrido tragicamente, o outro ninguém queria, planos econômicos fracassados, os Menudos, hiperinflação, o impeachment. Naquela época engenheiro não podia ser engenheiro, não havia mercado, e era triste ter que abandonar a engenharia por falta de oportunidades.Mas hoje estamos em um outro mundo, em um outro Brasil. Hoje, o engenheiro pode ser engenheiro, o Brasil precisa e quer engenheiros, e isso é um privilégio enorme que vocês têm.Mas é difícil fazer um discurso para uma turma formada na Poli. Porque se eu falar para vocês que vocês devem acreditar no seus sonhos, eu tenho certeza que alguém vai pegar uma HP na plateia e começar a fazer a conta sobre o sonho, o possível benefício, a probabilidade de sucesso, projetar em 20 anos. Depois que você aprende o que é uma distribuição normal, é muito difícil convencer vocês a desacreditar das probabilidades e jogar-se em desafios duvidosos, arriscar, tentar coisas impossíveis.Mas há um erro matemático nesse cálculo. Quando calculamos o valor esperado, multiplicamos a probabilidade do evento pelo possível benefício. O problema é muitas vezes com 20 e poucos anos a gente não sabe avaliar o beneficio. Ganhar dinheiro, ter uma vida confortável, isso tudo não vai ser tão difícil assim para vocês. Vocês não foram treinados para ganhar dinheiro ou para os melhores empregos, vocês foram treinados para serem aqueles que podem tomar os maiores riscos. Porque quem fez Poli não se abala. Quantos de vocês já tiraram zero em uma prova? Quantos de vocês estiveram na beira do desespero, quantos de vocês foram testados até os limites das suas forças? Se vocês chegaram até aqui, não há nada mais que vocês não possam fazer na vida. E se vocês podem enfrentar qualquer desafio, a questão fundamental é ter bom gosto para escolher os desafios. Porque os desafios que você escolhe definem quem você é.Existe uma verdade muito incômoda em ser politécnico. Eu não sei se vocês vão entender hoje, eu que eu não sei se eu vou conseguir explicar direito. Mas essa talvez seja a coisa mais importante que eu aprendi nesses anos. E essa incomoda verdade é que todas as desculpas para você não fazer exatamente o que você quer da vida são exatamente isso – desculpas. Vocês talvez achem que vocês têm problemas, restrições, impedimentos. Que isso ou aquilo é muito arriscado. Claro, há raras exceções. Mas vocês tem uma chance tão rara – a chance de fazer uma escolha. Pouca gente tem o luxo de escolher o que quer fazer da vida. Mas vocês têm – e como diz um amigo meu, a não ser por cirurgia e petição, o engenheiro pode fazer qualquer coisa.Em 1996 eu escrevi um texto para o jornal dos alunos da Poli, chamado “A Escola dos Homens Tristes”, que falava da educação na Poli. E hoje, depois de passar os últimos 12 anos estudando educação, eu estou convencido de que temos todos os ingredientes para mudar a forma de se ensinar engenharia na nossa escola. Há iniciativas desse tipo vindas de todo lugar, da diretoria, da associação de antigos alunos, de professores, de alunos e ex-alunos. Eu entendo que queiramos um alto padrão de qualidade e eu entendo que devamos exigir muito dos alunos. Mas devemos exigir não só notas em provas, devemos exigir paixão pela engenharia, criatividade, habilidade de resolução de problemas, e isso não se pode ver em uma nota, em uma prova. Senhores professores, senhor diretor, vamos reinventar a cultura da Poli, uma escola que roube alunos da FEA, da FAU, e da ECA, que seja essa uma escola da paixão pela invenção, pela engenharia, dos homens e mulheres criadores.O grande segredo e a grande descoberta das melhores empresas do vale do silício, como a Apple e o Google, é que os engenheiros de lá não desenham produtos para outros engenheiros, mas sim para pessoas normais. Por isso qualquer um sabe procurar no Google ou usar um iPhone. Então eu sugiro que usemos esse princípio para o design não de um tocador de música mas para o design de um país. Vocês, que são a elite intelectual desse país, não desenhem um país para vocês mesmos. Desenhem um país para os outros, para os que mais precisam, não para ajuda-los, não para dar esmola, não por caridade, mas para incluí-los, incluí-los no mundo do saber, da cultura, do consumo inteligente, da saúde, do bem estar. Em 98 eu disse para a minha turma que quando emprestamos o carro de um amigo, devolvemos com o tanque cheio. A sociedade deu a vocês o direito de cursar uma universidade pública. Sejam bem-agradecidos: devolvam muito mais.Meus caros politécnicos, esse é o meu conselho final. A Poli, dentre seus defeitos e virtudes, é um lugar onde chegamos ao limite de nossas forças. Aqui somos testados até as últimas consequências e nossas virtudes e fraquezas aparecem sem disfarce. Vivam sempre no limite, vivam sempre na iminência de dar tudo errado, vivam cortejando o fracasso. Falhem, mas falhem brilhantemente. Errem, mas errem como grandeza. O mundo não é dividido entre perdedores e ganhadores, é dividido entre os que entendem que tudo na vida é um estado meta-estável entre uma coisa e a próxima, e os que pensam que o sucesso é uma coisa estática que se conquista.Muita gente do Brasil vem me visitar em Stanford querendo implantar um vale do silício no Brasil. Eles vêm para Palo Alto, e perguntam, qual é o segredo, nos digam o que fazer para criar um vale do silício brasileiro. E eu digo para eles – vocês não precisam vir para Stanford para aprender a fazer o vale do silício brasileiro. Visitem as suas escolas de engenharia, as suas escolas secundárias, e notem todos esses jovens com o brilho da invenção e da criatividade nos olhos. O vale do silício brasileiro já existe. O vale do silício brasileiro são vocês.Obrigado e boa sorte.



 

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